A disposição depressiva é uma condição psíquica de certo abatimento, algum desespero e dificuldade de investimento da ação, resultante de uma excessiva submissão ao outro, idealizado. Na depressão há uma perda no concreto dos objetos idealizados; com persistência desses mesmos objetos na fantasia. O mundo interno do indivíduo está ocupado por objetos na realidade perdidos, mas que preenchem o espaço da ilusão. O indivíduo vive com esses objetos insatisfatórios, que bloqueiam o investimento no mundo real e concreto. O caminho da cura passa então pela desidealização desses objetos internos.
Coimbra de Matos
Oito
atitudes de pessoas com depressão, que não o demonstram
Embora nos dias de hoje exista, de um modo geral, um maior conhecimento sobre a depressão, o que se vê, muitas vezes, é uma compreensão errada desta doença e dos seus sintomas.
Por se tratar de uma doença marcada por um estigma, nem sempre conseguimos identificar familiares ou pessoas próximas que estejam a lidar com a depressão. Pior ainda: devido a conceções erradas sobre as diferentes formas de manifestação da doença, e o tipo de ajuda a procurar, muitas pessoas que sofrem de depressão não são devidamente diagnosticadas.
O resultado é que muitos indivíduos vivem com uma depressão mascarada - ou seja, invisível para as pessoas que os rodeiam, ou mesmo para eles próprios. Além disso, nos casos em que não houve um diagnóstico adequado, o indivíduo tenderá a lidar com os seus problemas de modo a esconder a depressão, e terá dificuldades em reconhecer os verdadeiros sintomas da doença.
É preciso pôr de lado a conceção de que o sofrimento é sempre visível. Deste modo, será possível compreender melhor e oferecer ajuda àqueles que lutam contra a doença, mesmo quando esta não é visível. Elencamos, a seguir, alguns sinais do indivíduo que poderá estar a sofrer uma depressão mascarada.
1. Pode "não parecer deprimido"
Influenciados por estereótipos culturais e pelos meios de comunicação social, muitos têm uma imagem errada do comportamento e da aparência do indivíduo com depressão. Na visão do senso comum, esta pessoa raramente sai do quarto, veste-se de forma desleixada, e parece sempre triste. Porém, nem todos os que sofrem de depressão têm o mesmo comportamento.
Claro que os indivíduos são todos diferentes, e os sintomas - assim como a capacidade de cada um de lidar com a doença - variam amplamente. Muitos conseguem exibir um "verniz" de boa saúde mental - como mecanismo de autoproteção -, mas o facto de serem capazes de fazê-lo não significa que sofram menos. Do mesmo modo, as pessoas incapazes de mostrar esse "verniz" não são mais "fracas" que as demais.
2. Pode parecer exausto, ou queixar-se de um cansaço constante
Um dos efeitos colaterais da depressão é um cansaço permanente. Embora este sintoma não se manifeste em todos os que sofrem de depressão, é muito comum. Em geral, é um dos piores efeitos colaterais da doença.
Além disso, se o indivíduo não recebeu o diagnóstico de depressão, a causa deste cansaço pode ser uma incógnita. Mesmo que durma um número suficiente de horas à noite, é possível que acorde na manhã seguinte como se tivesse dormido pouco. Pior que isso: talvez se culpe a si mesmo, atribuindo-o à preguiça ou a algum defeito de personalidade, que esteja a causar esta sensação de fraqueza e falta de energia.
Este sintoma também se torna uma dificuldade para quem obteve o diagnóstico de depressão, mas tenta ocultá-la dos amigos e colegas. Isso porque esta sensação de cansaço afeta inevitavelmente o seu ritmo de trabalho, assim como os seus relacionamentos pessoais.
3. Pode ficar mais irritadiço
O comportamento de uma pessoa com depressão pode ser interpretado erradamente como melancolia. É muito comum que a pessoa deprimida fique mais irritadiça, e que isso não seja interpretado como um sintoma da doença. Isso é compreensível, já que a depressão não é problema de saúde "visível", nem pode ser medido com precisão - o que dificulta o combate à doença.
Além disso, o esforço constante exigido do indivíduo para lidar, ao mesmo tempo, com as inúmeras exigências da sua vida quotidiana, e com a depressão, suga as suas energias, deixando-o impaciente e incapaz de ter uma compreensão exata das coisas.
Se um amigo seu é diagnosticado com depressão, e partilha esta informação consigo, poderão surgir dificuldades quando o comportamento desta pessoa não corresponda à imagem (errada) que se tem de uma pessoa com depressão: um indivíduo tímido e calado. A tendência para ter "pavio curto" e irritar-se com facilidade é, na verdade, um efeito colateral da depressão.
4. Pode ser difícil corresponder ao afeto e preocupação das pessoas à sua volta
A ideia falsa mais comum em relação à depressão, sugerida nos parágrafos acima, é a de que provoca um sentimento de tristeza.
Pelo contrário: muitas vezes, o indivíduo com depressão não sente nada; ou então vive as emoções de modo limitado ou passageiro. Depende de cada caso, mas muitos relatam um sentimento parecido com o "torpor", e o mais próximo que chegam de uma emoção é uma espécie de tristeza, ou irritação.
Deste modo, o indivíduo terá dificuldade em corresponder de modo adequado a gestos ou palavras afetuosas. Ou então nem se dará ao trabalho de manifestar qualquer reação.
Talvez demonstre uma irritação nada racional: é possível que o cérebro dele tenha dificuldades em processar e corresponder ao seu afeto e carinho.
5. Pode recusar-se a participar em atividades de que gostava muito
Uma atípica falta de interesse em participar em atividades - durante um longo período - pode ser um sinal de depressão. Conforme referido acima, esta doença esgota a energia do indivíduo tanto no plano físico quanto mental - o que afeta sua capacidade de sentir prazer com as atividades quotidianas.
Um indivíduo com depressão talvez já não sinta atração por atividades que adorava no passado, pois esta doença acaba por dificultar a capacidade de desfrutar de tais atividades, que já não satisfazem o indivíduo. Se não há nenhum outro sinal visível que possa explicar o desinteresse cada vez maior por estas atividades, talvez seja um sintoma de depressão clínica.
6. Pode passar a ter hábitos alimentares diferentes
O indivíduo deprimido desenvolve hábitos alimentares pouco comuns por duas razões: como forma de lidar com a doença, ou como efeito colateral da ausência de cuidados consigo mesmo. Comer pouco ou em excesso é um sinal comum de depressão. A ingestão excessiva de alimentos é vista como vergonhosa, e neste caso a comida talvez seja a principal fonte de prazer da pessoa depressiva, o que a faz comer além do necessário.
Quando o indivíduo come pouco, em geral é porque a doença está a afetar o seu apetite, transformando o ato de comer em algo desagradável. Isso também pode ser uma necessidade subconsciente de controlar algo, já que não é capaz de controlar a sua depressão. Se a pessoa não foi devidamente diagnosticada, ou se omitiu das outras pessoas que está deprimida, estas poderão considerar que os hábitos alimentares desajustados se devem a um defeito de personalidade, e esse "julgamento" fará com que o indivíduo deprimido se sinta ainda pior.
7. Pode passar a exigir mais de si
Naturalmente, as funções vitais de um indivíduo com depressão não podem ser as mesmas de alguém com uma boa saúde mental. Haverá coisas que não será capaz de fazer com a mesma frequência, ou que acabará por abandonar de vez.
Perturbá-lo ou fazer com que se envergonhe por causa disso só tende a causar mágoas, em vez de ajudar. Se a depressão é um assunto que tem tido dificuldade em abordar, será igualmente difícil para essa pessoa lidar com alguém que fique irritado diante da sua incapacidade de agir do mesmo modo que uma pessoa mentalmente sã.
Por isso, convém sempre ser compreensivo, seja com as pessoas do círculo profissional ou pessoal. Não há como saber se um indivíduo está simplesmente a "desacelerar", ou se está a enfrentar um verdadeiro problema de saúde.
8. Pode ter dias melhores e dias piores
Trata-se de uma doença com altos e baixos. Se a pessoa sofre de uma depressão mascarada, ou não diagnosticada, pode parecer que as flutuações de humor são aleatórias, dependendo da regularidade da sua depressão. Para si (e mesmo para a pessoa, no caso de não ter obtido um diagnóstico), talvez não haja uma motivação para as alterações de humor, mas esta é simplesmente a maneira como a depressão se manifesta nalgumas pessoas.
Se sabe que o indivíduo sofre de depressão, poderá ter a falsa impressão de que ele, tendo passado por uma sequência de dias "bons", está definitivamente curado. O fato de ter tido um dia melhor do que o anterior pode ser excelente, mas convém que lhe peça para esclarecer o que consegue ou não fazer, e em que momentos.
Concluir que o indivíduo que sofria de depressão está plenamente recuperado, ou forçá-lo a retomar rapidamente a rotina normal poderá sobrecarregá-lo, e fazer com que se "retraia" novamente. Ofereça apoio ao seu amigo ou familiar com depressão, mas deixe que seja ele a tomar as decisões necessárias.
Adaptado a partir de Jane Scearce, "8 things people with hidden depression do."
Narcisismo e Depressão
Quando o indivíduo não se sente amado, deprime-se. E a melhor defesa ou reparação dessa depressão é o amar-se a si mesmo, o investir-se narcisicamente. Simplesmente, este processo tem limites - se o sujeito continua a não ser amado, dá-se um esgotamento libidinal, não há energia amorosa para se amar a si próprio (pois o amor nasce e desenvolve-se apenas na relação amorosa). Mas do amor também se constituem reservas. E a maior reserva amorosa forma-se na infância, pelo amor que os pais dedicam aos filhos. Se esta reserva não foi constituída ou é pequena, o indivíduo tem necessidade constante de ser amado e deprime-se em face da mais leve perda de amor ou da sua mais curta ausência. E só um forte amor posterior o poderá curar dessa carência.
E se não obtém o amor de que tanto precisa, as saídas psicopatológicas possíveis são a depressão; a grandiosidade maníaca (ou os seus derivados compensatórios: o exibicionismo das personalidades narcísicas); a compensação oral: bulimia, toxicomania, alcoolismo; a compensação anal: pelo aumento das posses (bens, dinheiro, coleções, etc.); o agir sexual, preenchendo com sexo o que não recebeu e não recebe em amor; a revolta e a delinquência; e a construção delirante.
O trágico é que o indivíduo que não foi amado não aprendeu a amar. E não sabendo amar dificilmente poderá vir a ser amado. A sua sede de amor é muito grande, mas o seu ódio à relação amorosa ou a sua descrença no amor levam-no a estragá-la ou a nunca a conquistar - pela relação ambivalente e depressivante ou pela relação perversa e deteriorante, às quais adere. Só um verdadeiro amor, uma paixão, seja ela na vida ou na relação analítica, pode fazer uma renovação do sentir conduzindo a um renascimento do ser. É no estado nascente do enamoramento, no movimento amoroso, que se curam as feridas do amor. Ninguém se cura enquanto não adquirir um sólido sentimento de ser uma pessoa capaz de merecer e atrair o amor de outrem; vale dizer, enquanto não reparar a sua ferida narcísica, desfizer o sentimento de inferioridade ou menor valor.
A raiz dos sentimentos de inferioridade está no passado, na infância; nos insucessos infantis e adolescenciais; e na prisão às regras e aspirações da família de origem, no juízo crítico dos pais e educadores, dos maiores, que sempre apontaram exemplos de perfeição, estabelecendo comparações deprimentes para o sujeito ou lamentando as suas imperfeições. Designadamente esta última atitude é altamente danificante da autoimagem: o sujeito interioriza essa pena, essa mágoa, lamentado-se eternamente daquilo que é («Se fosse mais bonita... Se fosse mais forte... Se tivesse ouvido para a música... Se tivesse jeito para dançar...» etc). Mas, precisamente, o neurótico é aquele que vive no passado, prisioneiro do passado, do que foi. E ninguém pode viver no passado! Todos temos de ir para a frente.
Viver no passado é viver no purgatório, a expiar culpas; e na sombra, admirando os resplandecentes. Mas viver, propriamente viver, é saltar para o «paraíso», dando-se a si mesmo o direito ao acesso ao prazer e deixando-se banhar pelo sol que é de todos! Podemos queimar-nos no inferno da deceção e do desaire, mas também atingir o éden da paixão. E só vivida apaixonadamente a vida tem sentido.
Só na paixão amorosa encontramos a verdade do outro e a nossa própria verdade. É a porta de entrada no mundo da autenticidade. O neurótico é o que não sabe apaixonar- -se, deixou de se apaixonar (é isso a depressão), tem medo de se apaixonar, não quer (por raiva contra o outro e o mundo, e que se vira contra si próprio) apaixonar-se. Toda a análise passa por um movimento de rotura com o passado e com o presente (com este último não é menos importante), um movimento de renovação, um renascimento, um nascimento para uma nova vida, em moldes diferentes, com outros horizontes.
Adaptado a partir de Coimbra de Matos, in Análise Psicológica, 1983 4(III): 409-424
Dor psíquica e risco de suicídio
A personalidade depressiva tem o seu embrião na rejeição e na perda afetivas na infância, perda que acarreta um défice na compleição narcísica do indivíduo (Coimbra de Matos, 2001). Dada esta lesão na estrutura narcísica, o indivíduo de personalidade depressiva reage pior aos diversos tipos de perdas que a vida inevitavelmente sempre vai acarretando, deprimindo‑se com mais facilidade, sendo que o acto suicida se poderá, eventualmente, deduzir desta vivência depressiva. Mas a perda é difícil de aceitar e a fragilidade narcísica também, pelo que uma e outra são muitas vezes negadas. Um dia virá, pensará o suicida / depressivo, em que tudo se resolverá, que a fantasia de grandiosidade se concretizará, ainda que além da morte, em que o objeto acabará por reconhecer as suas qualidades e admirá‑lo.
Daqui se infere em parte, um elemento central da organização depressiva da personalidade, o núcleo masoquista - sofrer para ser reconhecido... mesmo que para além da morte, achará o suicida. Assim se compreenderia a boa disposição de alguns indivíduos no momento imediatamente antes do acto suicidário (Coimbra de Matos, 1982). Outra forma de morrer heroicamente e de permanecer na boa memória dos vivos, é deixar‑se morrer, ou ir morrendo, por exemplo cuidando pouco de si, sujeitando‑se a múltiplos acidentes ou traumatismos. (...) O suicídio pode aparecer aqui como uma solução aceitável, que interrompe uma existência de sofrimento e de insucesso, real ou fantasiado, mas intolerável e que alivia finalmente uma lesão na autoestima e no narcisismo (Campos, 2014).
Razões narcísicas para o suicídio ligadas à impossibilidade de suportar o orgulho ferido, a lesão na autoestima. Como nos diz Coimbra de Matos (1982), luto impossível, luto de um tempo perdido, "tanto tempo para amar inutilmente perdido.... Tanto e tanto amor desfeito, que a bem dizer ainda não estava feito". E é a saudade... na realidade, pensamos, não há saudade maior do que a que se tem daquilo que foi ardentemente desejado na fantasia, no viver anímico, mas que nunca foi possível obter e concretizar. É também dessa saudade que se faz a depressão, da saudade daquilo que ficou aquém do desejo e da fantasia; depressão que pode ser responsável pela perda do desejo de viver, não propriamente do desejo de morrer (Campos, 2014).
Perda do desejo de viver? Ou antes, desejo de viver uma outra vida? Muitas vezes, o desejo do suicida é, na verdade, o de viver uma vida diferente, uma vida mais digna, mais humana, sendo que o acto suicida pode assumir um significado comunicativo, nomeadamente em adolescentes, para fugir a um profundo desligamento/isolamento. Os sentimentos de solidão são alimentados por um profundo sentimento de desligamento e de não pertença. E a falta de um sentido de pertença associa‑se por sua vez, tem a sua gestação, na rejeição. "Existimos" porque fomos amados e "existimos" porque existimos para alguém. Por outro lado, o desejo de viver uma outra vida (não propriamente o desejo de morrer) é o reflexo de um profundo sentimento de insatisfação, de não satisfação de necessidades afetivas básicas. Para além de outras, as necessidades de valorização, de pertença, de aceitação e de identificação com bons objetos são essenciais (Campos, 2014).
Como é sabido, muito embora, não escassas as vezes, o sujeito depressivo manifeste uma tendência para a idealização dos objetos de referência, na realidade, os objetos do depressivo ficaram aquém do desejado. A partir daí, a tristeza de depender de objetos desta qualidade e a fixação a relações infantis insuficientes (Campos, 2012). No suicida as primeiras relações foram, muito provavelmente, com objetos rejeitantes e o acto suicida pode ser lido, pelo menos em parte, como o cumprir de um certo desejo infanticida. Os primeiros objetos foram muito provavelmente objetos "destrutivos", "objetos de mortes", "relação de objeto mortificante", que suga o ânimo e a vontade de viver, mas a sua malevolência, a dos objetos, foi negada ou recalcada, dado que a criança não podia sobreviver psiquicamente na ausência da relação. Em alguns casos, no entanto, mais tarde, uma dura consciência aparece como um fardo insuportável - "não fui aceite e amado como sou" (Campos, 2014).
Adaptado a partir de Rui de Campos, in Revista Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, 2016 7(1): 103-112