"Nunca estamos tão desprotegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada"
Freud, 1920
Um olhar sobre as relações
Poucos serão os seres humanos que nunca terão experienciado um desgosto amoroso, desesperado na tentativa de se libertar desse sentimento, amado alguém que nunca retribuiu esse amor ou dado por si numa relação em que o amor se extinguiu.
A componente volitiva do amor parece ser muitas vezes descurada, não só no desencadeamento como também na manutenção ou na extinção do sentimento amoroso. As pessoas não são meras observadoras passivas dos seus próprios sentimentos: a vontade detém um papel ativo, tanto na formação como na dissolução dos afetos.
O que leva ao fim do amor?
Os quatro fatores principais
1. Desilusão
Se o início do amor romântico é marcado por uma espécie de deslumbramento, admiração e idealização, o final é muitas vezes provocado pela quebra desse encantamento. Se o desfasamento entre as expectativas e a realidade for demasiado profundo ou atingir aspetos vitais, o amor corre o risco de colapsar.
2. Falta de Compromisso e de Segurança
Ao contrário do que por vezes se acredita, o amor precisa de certezas, tanto nos sentimentos que são dirigidos ao objeto (o compromisso, enquanto vontade / determinação em amar o outro), como na perceção dos sentimentos que esse objeto dirige de volta (a certeza sobre o amor do outro). Sem esta segurança bidirecional, o amor fica fragilizado, sujeito a perecer.
3. Ausência de Intimidade
A partilha de vivências, pensamentos e emoções é uma das características mais relevantes desta edificação afetiva complexa a que chamamos amor romântico. Sem essa intimidade, o amor fica descaracterizado, ferido na sua essência e amputado de uma parte essencial.
4. Crescimento Individual
O desenvolvimento físico e psíquico individual ao longo do relacionamento é suscetível de provocar o afastamento do casal, pela simples razão de que as pessoas podem crescer em direções diferentes ou a níveis distintos. O desenvolvimento pessoal tem como resultado um fortalecimento das fronteiras individuais e uma recuperação do sentido do eu, que pode conduzir a um maior sentido de autonomia e ao desligar afetivo do outro.
Amor não correspondido
Quando a esperança persiste
Nos casos em que se pretende fazer extinguir o amor, há um elemento fundamental: a perda da esperança. Sem este fator, o amor tende a persistir indefinidamente, ou até que outros fatores - uma terceira pessoa, o tempo ou a autoestima - intervenham. A esperança, porém, não só é a última a morrer, como é consideravelmente difícil de matar. Qualquer gesto, qualquer sinal daquele que se ama pode ser interpretado erradamente como uma manifestação de amor, pelo que existe um conjunto de estratégias que assumem um papel fundamental na tarefa de impedir o ressurgimento irracional e injustificada da esperança (e do amor).
O papel da vontade
A vontade detém um papel essencial no processo de declínio amoroso. Aceitar a perda e percorrer as fases do luto, reconhecer quando persistir e quando desistir, passa por um processo de decisão. A noção de que a persistência é essencial para o sucesso e a felicidade está profundamente enraizada na cultura popular. No entanto, quando estamos perante situações em que não é possível concretizar um objetivo fulcral, a resposta mais adaptativa pode passar por desistir desse objetivo (Miller & Wrosch, 2007).
Diz-me a verdade sobre o amor!
A procura de um objeto de amor parece ser uma característica da condição humana, sendo uma relação amorosa a que mais poderá contribuir para o desenvolvimento do indivíduo, uma vez que o amor fortalece o Self e este, fortalecido, é capaz de estabelecer e desenvolver relações verdadeiras e com profundidade. No entanto, muitas pessoas vivem constantemente numa indecisão sobre se mais valerá só que mal acompanhado ou mais vale mal acompanhado que só.
Vivemos numa época em que se assiste a uma procura incessante de estímulos externos que visam disfarçar o sofrimento, estabelecendo-se pseudo-relações, sem vivacidade nem intimidade, traduzidas numa conduta camaleónica de pseudo-adaptação, que resultam de uma dificuldade em se estar só e com o seu mundo interno. Estabelecem-se relações marcadas pela procura de controlo e posse do objeto que se possa manipular à mercê das necessidades narcísicas do próprio, sempre em espelho, sem a mínima competência para olhar, ver e sentir o outro na sua essência e diferença do próprio. À afirmação da autonomia e negação da dependência e necessidade do outro. Procura-se incessantemente a admiração externa, tão necessária para encobrir as dúvidas sobre as competências reais para despertar o verdadeiro amor. Procura-se admiração pelo que está fora do Eu, este perdido em si próprio e escondido detrás de imitações ao outro idealizado. Desta perda do Eu verdadeiro resulta a perda da proximidade entre o Eu e o outro, e a aproximação a existir estará sob o desígnio do poder e do domínio de um face ao outro, em que os desejos de intimidade são silenciados com todo o esforço, à custa de um "nada me falta" colorido com bens materiais, os quais ilusoriamente preenchem um vazio no qual o Eu se vai afundando cada vez mais.
O que está esquecido é que o Eu não se pode constituir ou desenvolver sem ser numa relação de intimidade e profundidade com o outro, desde cedo e ao longo da vida, porque fica sub-nutrido e sub-desenvolvido. Anestesia-se então o sentir, calam-se lágrimas com antidepressivos, drogas, álcool ou consumismo desenfreado, dança-se freneticamente não ao sabor da música, mas como se da expulsão de demónios internos se tratasse. Não é possível saborear a vida, os sentidos estão entorpecidos e treinados para se redimirem ao cognitivo, ao racional.
Daqui resulta a procura de actividades mega-excitantes que intensifiquem o sentimento de vivacidade sensorial, procurada através de agitações radicais que afirmam a própria omnipotência de controlo sobre a vida e um desafio omnisciente à morte.
Assim, desenrola-se uma vivência que prima pelo afastamento de tudo o que desponte intimidade: lêem-se revistas que falam de futilidades e vidas efêmeras, que alimentam o desejo voyeurista sobre a vida alheia, filmes que impedem o pensar e que refletem um afastamento da realidade com argumentos repletos de elementos bizarros, inúteis e sem profundidade. Vive-se num divórcio constante face ao íntimo e genuíno, ao afectuoso e realmente humano. Esta alienação do Eu e do humano conduz precisamente à desumanização, determinando a impossibilidade de ajudar o mais fraco porque esse nos coloca em confronto com as fragilidades pessoais - essas odiadas e mantidas à distancia da mente e do sentir. Há que silenciar o sentir nos outros, nas crianças também, não nos façam elas recuar a recordações de vivências conflituosas e a mexer em feridas não saradas.
E assim andamos às cegas, cegos na visão do sentir e na capacidade de
olhar para a interioridade, sem competências de mentalização (Fonagy, 2010). Daqui resulta uma impossibilidade de
empatia e compaixão, e uma procura incessante de amor precisamente nos lugares
onde ele não se encontra! Impreparado para o sofrimento, o sujeito vive num
medo fervilhante de ser magoado pela rejeição, por isso convém estabelecer
relações com uma distancia mínima de segurança, nem muito próximas porque a
intimidade assusta, desgoverna e desorienta, nem muito distantes porque o
sentimento de abandono é insuportável, e o "viver
só comigo" é deveras assustador.
Sabemos hoje, que as relações significativas que se estabelecem ao longo da vida são essenciais para o desenvolvimento do Self, mas existem evidências de que quando falhas graves no seu desenvolvimento são sentidas precocemente, estas podem condicionar todo o desenvolvimento posterior, impedindo que o individuo consiga mudar o seu percurso e encontrar objetos que possam ser usáveis (não somente objetos da projecção) no sentido da evolução psíquica em que o indivíduo seja capaz de usar esses objetos enquanto objetos transformacionais, esses diferentes dos objetos da infância, evidenciando assim um crescimento psíquico que decorre da capacidade de separação e autonomização psicológica face a esses objetos de relação precoce.
Quando com os objetos da infância não foi possível o
desenvolvimento de estruturas psíquicas que possibilitem uma regulação da
auto-estima, ou até mesmo a formação de uma espécie de pele psíquica que defina o Self
possibilitando a sua individualidade, facilitadores de uma autonomia de
pensamento e crescimento emocional, toda a vida se procurará uma ligação a objetos
que possam servir essas funções, implicando muitas vezes a decepção porque o objeto
não realiza as funcionalidades que lhe são designadas. Isto, acrescente-se,
quando o próprio Self não desenvolveu
plasticidade suficiente para integrar outras experiências transformadoras e
capazes de colmatar as falhas anteriores. Assim, estas relações e padrões de
interacção que se estabelecem precocemente irão determinar um conjunto de percepções
sobre o Self, o objeto e as relações
com esse, que serão determinantes na constituição das representações acerca do Self a saber - representação de um Self coeso, desvalido,
incompleto e indefinido.
No decurso destas representações, surge a urgência de tratar dessas feridas internas, as lesões sofridas no Self, que justificam muitas vezes o desenrolar de relações envoltas na necessidade de acabamento do Self e não de partilha e de desenvolvimento mútuo, responsáveis por muitos dos desapontamentos amorosos e pela desistência de estabelecimento de novas relações ou pela procura incessante de relações ilusoriamente reparadoras das falhas do Self.
Adaptado a partir de "Disfarces de Amor: um estudo sobre os relacionamentos amorosos e a vulnerabilidade narcísica", de Isabel Mesquita, Climepsi Editores
Dificuldades Relacionais
O problema das expectativas
As expectativas demasiado elevadas em relação à relação amorosa, aliada à incapacidade de corresponder a estas expectativas levam frequentemente à desilusão e à rutura da relação.
A aposta no amor romântico é muito elevada, ao propor que um laço amoroso intenso, com um único parceiro, tido como foco central e exclusivo de todo o desejo, possa sustentar uma ligação conjugal eterna que realize funções afetivas tão diversas como a satisfação erótica, o sentimento de amar e ser amado ternamente, estabilidade, parceria, cumplicidade e fidelidade, constituição de um ambiente saudável para o cuidado e a educação dos próprios filhos, etc.
Tamanhas expectativas depositadas sobre a relação com um parceiro constituem o terreno propício para a frustração e para a deceção desse projeto de realização erótica e existencial a dois, tão ardentemente acalentado.
(Pereira, 2009)
Os 4 cavaleiros do apocalipse
O psicólogo John Gottman identificou 4 padrões capazes de prever o fim de um relacionamento:
1. Crítica: Constitui um ataque generalizado ao carácter ou personalidade do parceiro, distinguindo-se da queixa, que incide sobre um comportamento específico do parceiro;
2. Desprezo: Classificado como o pior dos cavaleiros, é expresso por comportamentos como o sarcasmo, o cinismo, insultos ou humor hostil;
3. Defensividade: Leva a que o parceiro, ao sentir-se atacado, se defenda através do contra-ataque, causando uma escalada do conflito;
4. Muro de silêncio: Mutismo autoimposto em que a pessoa não dá resposta alguma, desviando o olhar e não proferindo um único som (por oposição ao que acontece numa conversa típica entre duas pessoas, em que o ouvinte dá toda a espécie de sinais de que está a prestar atenção: contacto visual, acenar de cabeça, interjeições)
Ilusão e desilusão
O amor romântico envolve expectativas irreais de satisfação total e resolução de todas as dificuldades. A simples ideia de se "fundir" com alguém é entendida como uma possibilidade de "cura" de todas as feridas. Estas expectativas irrealistas são influenciadas pela cultura popular, com origem nas histórias infantis, passando pela literatura e pelo mundo do cinema.
Os pensamentos mágicos sobre o amor geram frustração e insatisfação perante as relações reais. A pessoa espera da relação o que esta não dará, revivendo sensações de insatisfação e dor semelhantes a outras já vividas nas relações mais precoces. A tentativa de satisfazer necessidades não atendidas na infância (nomeadamente, o desejo de amor incondicional), a idealização do outro, a confusão entre paixão e amor estão entre os principais fatores que conduzem à desilusão (Behary & Young, 2011).
Os 3 estilos de vinculação
De acordo com Bowlby, é na infância que residem os ingredientes que determinam a capacidade para estabelecer relações íntimas na idade adulta. Os estilos de vinculação correspondem a padrões que se formam com base nas expectativas acerca das respostas da figura de vinculação, geradas nas interações mais precoces, que condicionam o comportamento e as expectativas nos relacionamentos futuros.
Ambivalente
Os adultos com vinculação ambivalente mostram um elevado receio do abandono e dúvidas sobre a disponibilidade afetiva do parceiro, o que os leva a ser hipervigilantes, desconfiados e ciumentos. Procuram alcançar a intimidade e o compromisso precocemente, apresentando um acentuado investimento nas relações íntimas e um desejo de fusão com o outro. A prestação de cuidados é marcada pela ansiedade, inconsistência, intrusividade e dúvidas. A falta de confiança, aliada à necessidade de proximidade, leva ainda a comportamentos de dependência em relação ao parceiro (apresentando uma tendência para o amor obsessivo), bem como a sentimentos de mal-estar e uma baixa autoestima (Platts et al., 2002).
Evitante
Aqueles que desenvolvem um estilo de vinculação evitante mostram menor investimento nas relações, percecionam a intimidade como ameaçadora, sentem desconforto com a proximidade, valorizam a independência e receiam depender do outro e da relação. Mostram dificuldade em aumentar o grau de intimidade com o parceiro, rejeitando as tentativas de proximidade física e emocional, de compromisso e interdependência. Gerem as emoções de forma disfuncional, adotando um padrão de indisponibilidade e fraca sensibilidade ao outro, caracterizados por baixa empatia e incapacidade para reconhecer os sinais de mal-estar do outro, respondendo de modo pouco efetivo e raramente contingente às necessidades do parceiro (Mikulincer & Shaver, 2007).
Seguro
Os adultos com um estilo de vinculação segura tendem a descrever a sua relação de forma positiva, caracterizando-a como feliz, confiante e estável. São pessoas confiantes e com uma boa autoestima, mostrando-se disponíveis para a intimidade e proximidade emocional. Funcionam com base numa visão positiva acerca de si próprios e dos outros. Sinalizam ativamente as suas necessidades e são prestadores de cuidados sensíveis e adequados, considerando o parceiro como uma base segura e constituindo-se como tal. Estabelecem relações de reciprocidade, mostrando-se disponíveis e responsivos. Investem na relação íntima sem nela diluir a sua individualidade e autonomia, sentindo-se confortáveis com o compromisso e com a interdependência estabelecida com o companheiro (Mikulincer & Shaver, 2007).
Pseudo-Relações
Assistimos a um crescendo de mal-estar do desejo denunciando uma grande dificuldade em integrar o desejo com o amor, o que conduz à adoção de condutas sexualizadas desprovidas de afeto, numa preocupação exibicionista com o desempenho envolto numa anestesia afetiva, são estas relações plenas de entusiasmo estéril, fugaz, e sem contacto emocional íntimo. O que se deseja não é um outro, mas a própria imagem idealizada ou uma reparação do narcisismo falhado do próprio. Consideramos que este mal estar do desejo tem subjacente um forte mal estar na capacidade de vinculação, que se repete ao longo da história relacional do indivíduo, e que vai minando de maneira nefasta toda a relação supostamente amorosa.
A falta de confiança no outro e na validade do próprio contamina de forma negativa as relações amorosas adultas, conduzindo ao estabelecimento de relações que não se constroem mediadas pela troca mas sim pela urgência do outro para reconstrução da validade e estabilidade própria. Nestas condições, a dependência em relação ao outro não é uma dependência madura, própria do desenvolvimento, que implica a necessidade que temos uns dos outros para enriquecimento emocional e crescimento afetivo, mas trata-se de uma dependência funcional, operatória, uma dependência da função vital que o outro desempenha, e como tal é uma dependência mais assustadora, porque remete para necessidades infantis, para necessidades de desenvolvimento de estruturas não formadas na infância, acarretando por isso, fantasias mais avassaladoras.
Quando falta ao self uma estrutura capaz de regular adequadamente a autoestima e proporcionar uma representação valorizada do próprio, surge a necessidade de objetos que possam desempenhar essas funções. A procura será no sentido de restabelecer uma imagem mais idealizada do próprio, através da ligação a um outro que possibilite uma reparação da imagem do próprio. O investimento no outro é feito em ordem a proporcionar um sentimento de maior valor próprio, e uma satisfação que será sempre superficial e condicionada pela resposta do outro, sem consolidação interna, e como tal fugaz e que se deteriora na ausência do objeto o qual funciona como uma espécie de prótese, que traz o que falta ao próprio mas em que não preenche a falha, ficando-se assim, sempre à mercê da imagem proporcionada por outro!
Neste tipo de relacionamentos amorosos, o que se almeja é a manutenção de uma imagem irrealista do próprio, às expensas do outro, que será tanto mais exigente consoante a fragilidade narcísica do self. São pseudo-relacionamentos, onde fica prejudicada a descoberta do Eu e do outro na relação, não cumprem a sua função desenvolvimentista do Self. Uma relação é tanto mais válida quanto mais possibilita a descoberta do outro e do próprio na relação com esse outro, de modo que se revelem aspetos do verdadeiro self e seja possível o crescimento e evolução desse.
Adaptado a partir de "Disfarces de Amor: um estudo sobre os relacionamentos amorosos e a vulnerabilidade narcísica", de Isabel Mesquita, 2013, Climepsi Editores
A imaginação é a fundadora do desejo, o que torna alguém desejável é a
idealização, que faz sobressair as qualidades que tornam a pessoa única e
especial, distante do comum. No entanto, esta idealização deverá ser próxima do
real do amado e não das necessidades infantis do amante.
Isabel Mesquita, 2013
Relações Patológicas
A partir de "Disfarces de Amor", de Isabel Mesquita
Por vezes o objeto amoroso é procurado como uma extensão do próprio, e não como objeto total separado. A escolha é cimentada nas necessidades do self, em falhas básicas do seu desenvolvimento. O outro não é vivido como um objeto total, mas como objeto parcial, o que se gosta no outro é apenas uma das suas partes, aquela que serve o próprio. Não se constituem como verdadeiros relacionamentos amorosos, mas como disfarces, como modalidades relacionais mais em função do próprio do que da relação.
Relacionamento submisso
Rank enfatizou a função das relações amorosas enquanto reguladoras da autoestima, em que ambos os elementos da relação se alimentavam de modo parasitário dos aspetos bons um do outro. Não obstante, a dependência excessiva do outro para a regulação da autoestima pode desencadear comportamentos de dependência, subserviência masoquista de forma a impedir a perda do objeto tão necessário ao engrandecimento do self. Os outros são utilizados como veículos para alcançar um colorido afetivo da representação do self. As relações amorosas são estabelecidas de forma a possibilitar a ilusão de possuir uma autoestima verdadeira, fortalecida.
Quando o indivíduo sentiu que foi amado parcialmente, apenas pelos aspetos que satisfaziam o objeto, só aprendeu a amar desse modo. Liga-se aos objetos de forma parcial. É a repetição do trauma de infância: continua a ser admirado não pelo que é, mas sim pelo que possui e agrada aos outros.
Estas relações são mediadas pela idealização infantil em que o outro, muitas vezes, é procurado como objeto poderoso a quem se possam ligar de modo siamês, confundido relação objetal com dependência. Abraham ao referir-se aos pacientes deprimidos, afirmara que estes se agarravam aos objetos como sanguessugas, como se a sua intenção fosse devorá-los. Quando a ferida narcísica se transforma numa chaga aberta é indispensável o sequestro do objeto, de modo a reconstruir a unidade perdida com o objeto.
Estas são relações que se sustentam pela amputação, tolhidas por um sentimento de insuficiência crónica, em que o outro é apenas um complemento do próprio, aquilo que lhe falta para ter uma visão mais colorida do seu Eu, embora permanecendo sempre uma estrela sem luz própria que necessita de objetos que gravitem à sua volta e lhe proporcionem gratificações da ordem do reconhecimento e admiração.
É a dependência estéril do depressivo, que não manifesta o desejo porque se coloca à mercê do outro para evitar a rejeição e impede-se de se colocar na relação enquanto ele próprio, muitas vezes controlando o outro de modo masoquista, não deseja mas submete-se ao desejo do outro, apenas recebe o que o outro quer dar e não exige o que sente que necessita pois receia a rejeição.
Ávidas presas, que se deixam encarcerar em relações que ilusoriamente lhe trazem um benefício à estima mas que resultam num sentimento de darem mais do que recebem e como tal são insatisfatórias. Como refere Coimbra de Matos o indivíduo vive dos juros do capital investido - é uma espécie de amor próprio no sentido de o fazer render e aumentar, mas que resulta num logro pois que o capital investido numa relação não produtiva se desvaloriza.
A atração é sempre por um outro que se apresenta como incapaz de corresponder aos desejos do próprio, comprovando o sentimento de não ser merecedor de melhor (decorrente da sua fragilidade narcísica), permanecendo à espera de receber algo, nunca sentido como o suficiente, porque não chega a ser colmatada a debilitação narcísica do Self, nunca chega a haver um verdadeiro restauro do Self falhado
Coloca o indivíduo numa situação de admissão de tudo o que lhe possam fazer, criando a ilusão de que aguenta tudo e deste modo compensa-se narcisicamente, porque encobre a fragilidade, mas colocando-se numa posição submissa, de grande dificuldade em impor limites na relação, permitindo o desrespeito, deixando a descoberto a grave desvalorização e o sentimento de inferioridade.
Estas pessoas facilmente se iludem com a atratividade do distanciamento narcísico, que aparenta ser difícil de conquistar, de conseguir, ilusoriamente seguros de si, envoltos num mistério que simula ser interessante, mas que não é mais que uma defesa face ao sentimento de incompetência e menor valia, encapotando uma fragilidade do Eu e um empobrecimento da vida afetiva e relacional.
Este é um lado mortífero do amor, que se fica a dever à ligação de dependência, na infância, a um objeto frio, indiferente, não sintonizante, numa fase do desenvolvimento em que era crucial o reforço narcisante e provisor de reservas.
Relacionamento eufório
Neste tipo de relacionamento os indivíduos apenas se interessam pela conquista do objeto, pelo que
durante um curto período de tempo se mostram amantes solícitos e atentos.
Efetivada a conquista, tornam-se indiferentes, pois criam enormes expectativas
que caem por terra, ao mesmo tempo que não foi possível
o conhecimento do conteúdo interno do outro, nem uma revelação do próprio.
De acordo com Zimerman, a sedução visa prender o objeto com a promessa encantatória de uma completude paradisíaca, que com o tempo se revelará ilusória e desembocará num ciclo de desilusões e renovadas ilusões, muitas vezes culminando na desvitalização do objeto.
Nestas relações, o que é partilhado são sentimentos falsos, que resultam da manifestação do falso Self, os verdadeiros ficaram bloqueados, não são passíveis de serem aceites, as necessidades genuínas mantêm-se à deriva do Self, há um distanciamento em relação aos próprios afetos e aos do outro.
Certos comportamentos sexuais cujas experiências corporais intensas têm apenas como objetivo suster uma organização psicológica precária que tende à fragmentação. Precisam do outro sem falta, para fugir de si, pois com a ligação ao outro vem muitas vezes a esperança de uma nova identidade, a que possibilite lidar com uma realidade interna que é vivida como dolorosamente insuportável.
A procura constante do outro prende-se com a necessidade de consubstanciar o seu frágil self, cujo sentimento muitas vezes é de estar débil ou destruído. A impossibilidade de intimidade fica a dever-se à fragilidade do Self, o frágil Self procura a fusão de forma a sentir-se completo (porque só se sentem íntimos quando se sentem iguais), ou evita a intimidade por confundir com dissolução do próprio no outro.
Neste ultimo caso, desenvolvem-se procuras de afeto de forma agida, que como tal é impossível de encontrar, implicando-se assim numa incessante troca de relações sem intimidade nem profundidade, onde não é possível o desenvolver do conhecimento de si nem do outro, não existe um padrão emocional que possa caracterizar o sujeito, e conferir-lhe uma identidade única, com unicidade de actos e pensamentos, permitindo um reconhecimento de si próprio.
São relações muitas vezes com carácter parasitário em que o objetivo é sentir que se é objeto de desejo, em que há uma antecipação do sexual face ao relacional, onde o contacto corporal jamais reflete o envolvimento emocional e afetivo, criando-se relações com proximidades ilusórias constituindo-se como verdadeiros ataques à intimidade; ilusório é também o sentimento de ausência de dependência e o afastamento do temor de abandono que supõem que esta implica. Necessitam do objeto para sentir alguma estabilidade do self mas por outro lado não conseguem estar em relações demasiado próximas pois a consciência da dependência compromete o sentimento de identidade, ameaçado por dissolução e fragmentação do self.
Perante a desilusão, há que partir para uma nova relação, reafirmar as capacidades de D. Juan, de modo a restabelecer a autoestima perdida e a impedir a queda no vazio e na depressão.
O supereu destes indivíduos é externo, o que os torna dependentes da apreciação emitida pelos demais, num ver-se ao espelho através dos olhos dos outros, revelando-se furioso quando essa necessidade não é satisfeita. A fragilidade do Supereu está relacionada com a não-aceitação da diferença, do outro enquanto distinto do próprio no que respeita aos sentimentos, desejos e ambições.
Heimann referia que a diferença entre uma relação infantil e uma relação
objetal madura se prendia com o facto de a criança sempre considerar o objeto
em referência a si própria, enquanto a relação madura implica uma visão do objeto
com uma existência independente. Deste modo, o objeto só tem valor para a
criança em função do papel que desempenha para si.